A cobertura do programa Patrulha Maria da Penha, da Brigada Militar, não é ampliada para novos municípios há quatro anos no Rio Grande do Sul. A expansão do serviço parou em 2021: no momento, o trabalho policial de combate à violência contra a mulher tem 62 patrulhas, que atendem a 114 cidades – 22,9% do total.
Há 383 municípios sem o atendimento especializado no Estado (77,1%). Isso representa uma brecha na proteção às vítimas e contribui para a sensação de impunidade para crimes contra a mulher, segundo especialistas.
Dos 1.234 feminicídios registrados entre 2012 e maio deste ano, 412 (33,3% do total) ocorreram em cidades onde não há Patrulha Maria da Penha. O levantamento foi feito por Zero Hora na base de dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP) do governo estadual.
Conforme a Brigada Militar, a lacuna na criação de novas Patrulhas Maria da Penha nos últimos quatro anos é contornada por meio da otimização de recursos e capacitação contínua do efetivo. As cidades sem patrulhas específicas são atendidas pelo deslocamento de equipes de municípios vizinhos e pelos policiais militares de patrulha de rotina que receberam treinamento em violência doméstica, mesmo que não atuem exclusivamente nessa área.
Como funciona o programa que busca proteger vítimas?
Criada em 2012, a patrulha acompanha e fiscaliza casos de mulheres vítimas de violência que possuem medida protetiva de urgência determinadas pela Justiça.
Com visitas e ligações frequentes, o objetivo é ofertar auxílio e proteção a quem sofre ameaças, agressões físicas, verbais e emocionais. A abordagem também atua de maneira preventiva, ao quebrar o ciclo de agressões e impedir novos atos violentos.
Atualmente, mais de 12 mil mulheres são acompanhadas pela Patrulha no RS, segundo a BM. Uma moradora da zona sul de Porto Alegre, que teve a identidade preservada pela reportagem de Zero Hora, é uma das vítimas que contam com o serviço especializado.
A mulher, de 54 anos, relata que manteve um relacionamento com o agressor por cerca de 13 anos. Após diversas tentativas e promessas de mudanças não cumpridas, ela rompeu esse ciclo de violência. Há dois meses, ela procurou a polícia, solicitou medida protetiva contra o homem. Desde então, passou a ser acompanhada pela Patrulha Maria da Penha, que impediu tentativas de reaproximações por parte do agressor.
Começou pequenininho, com as violências verbais, me inferiorizando, mexendo com o emocional. Aí depois, começaram as violências físicas. Depois que eu terminei com ele, tive que trocar meu turno de trabalho, mudar o horário e lugar que pegava o ônibus. Tinha medo de ir para casa. Com o acompanhamento da Patrulha Maria da Penha, eu retomei a minha vida. Me sinto acolhida, como se não estivesse sozinha nessa caminhada
MORADORA DE PORTO ALEGRE
Vítima de violência contra a mulher
Para a vítima, a presença das patrulhas nas cidades contribui para que mais mulheres se sintam seguras e busquem uma medida protetiva. Gerando, dessa forma, um maior incentivo no desenvolvimento de políticas públicas e no engajamento nas redes de proteção já existentes.
— Uma rede de apoio desarticulada pode comprometer a segurança das mulheres. O atendimento especializado é importante porque a mulher entende que está sendo acompanhada, acolhida. As vítimas precisam saber que têm com quem contar, que têm uma rede. A patrulha pode contribuir muitíssimo para essa mulher se fortalecer e ficar longe do ciclo da violência — avalia Rafaela Caporal, coordenadora da Área de Enfrentamento às Violências da ONG Themis.

Treinamentos buscam suprir falta de patrulha
Apesar de a cobertura não ser ampliada desde 2021, ao menos 204 municípios gaúchos receberam o serviço neste ano, segundo a Brigada Militar.
A atuação ocorreu por meio de patrulhas que se deslocavam para cidades vizinhas ou pelo efetivo treinado para o atendimento, mesmo que não execute exclusivamente o trabalho no cotidiano.
No ano passado, 245 municípios gaúchos contaram com esse serviço em algum momento, conforme o tenente-coronel Márcio Luiz da Costa Limeira, responsável pelo programa:
— Podemos afirmar que, desde 2012, com base nos registros, em 409 municípios a Brigada Militar realizou visitas de acompanhamento de medida protetiva de urgência pela Patrulha Maria da Penha ou por policiais treinados dentro de sua rotina — acrescentou.
Segundo a BM, 2,9 mil brigadianos já foram capacitados para o atendimento no RS. Por nota, a instituição disse que, atualmente, 250 estão em atuação nas patrulhas, mas que pretende qualificar, neste ano, 500 servidores para o serviço.
A primeira patrulha foi organizada na Capital em 2012; os últimos municípios a receber o trabalho, em 2021, foram Boa Vista do Cadeado, Boa Vista do Incra, Fortaleza dos Valos, Pejuçara, Estância Velha e Campo Bom.
Falta de comunicação às autoridades pode afetar programa
Conforme o tenente-coronel Márcio Luiz da Costa Limeira, a falta de comunicação dos casos de violência doméstica às autoridades, assim como a não abertura de medidas protetivas contra os agressores, acaba freando a ampliação das Patrulhas Maria da Penha pelo Estado, que precisa dessas informações para realizar um trabalho de estratégia e enfrentamento aos crimes contra a mulher:
— A gente verifica que nós não alcançamos todas as mulheres que são vítimas por falta da denúncia, por falta do registro policial, de medida protetiva. Precisamos destes dados para o Estado, de alguma forma, ofertar esses serviços de proteção — ressaltou.
Das 31 vítimas de feminicídios ocorridos entre janeiro e maio deste ano, perfiladas por Zero Hora, oito moravam em municípios sem o atendimento especializado da BM. São elas:
- Marina Martins Lemos, 25 anos, em Machadinho, no Norte
- Cintia Mara Rodrigues Seixas, 21, em Marau, no Norte
- Caroline Machado Dorneles, 25, em Parobé, no Vale do Paranhana
- Ângela Cristina Lincke, 49, em Passo do Sobrado, no Vale do Rio Pardo
- Leobaldina Rocha Lyrio, 41, em Ronda Alta, no Norte
- Diênifer Rauani Lyrio Gonçalves, 14, em Ronda Alta, no Norte
- Paola Muller, 32, em São Francisco de Assis, na Fronteira Oeste
- Juliana Proença Luiz, 47, em São Gabriel, Fronteira Oeste
Entre essas oito vítimas, apenas Paola Muller tinha medida protetiva de urgência. Na semana passada, Zero Hora mostrou os desafios que levaram as mulheres assassinadas por questão de gênero no RS a não denunciarem ou solicitarem medida protetiva.
Entre os fatores elencados por familiares e amigos delas está a relativização da violência, o medo, a vergonha e a dependência emocional por aquele agressor.
Entre os agressores, quatro eram companheiros das vítimas, três eram ex e um era padrasto. Essas ligações, conforme familiares e amigos ouvidos, tornou o processo de denúncia às autoridades ainda mais complexo.
Municípios sem Patrulha Maria da Penha com mais feminicídios entre 2012 e maio de 2025:
- São Gabriel: 11 casos
- Parobé: 10
- Alegrete: 9
- Candelária: 8
- Lagoa Vermelha: 8
- Soledade: 8
- Taquara: 8
- Encruzilhada do Sul: 7
- Garibaldi: 7
- Balneário Pinhal: 6
O que diz a Brigada Militar
"No ano de 2012 o Estado do Rio Grande do Sul realizou debates buscando alternativas para assegurar a defesa da igualdade de gênero às mulheres. Na época, foram realizados eventos, seminários e capacitações com o intuito estabelecer políticas públicas capazes de salvaguardar os direitos fundamentais das mulheres.
As autoridades e a sociedade civil organizada, imbuídas destes propósitos, concluíram pela necessidade de construção da “Rede de Atendimento da Segurança Pública para enfrentar a violência doméstica e familiar no Rio Grande do Sul”, adequada e especializada, na qual as instituições, especialmente as que atuavam na seara da Segurança Pública, incrementariam ou idealizariam políticas públicas que alcançassem o atendimento integral da mulher vítima.
Neste contexto, a Brigada Militar, implementou o Programa Patrulha Maria da Penha com o objetivo de atender plenamente às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar no território gaúcho. As atividades da Patrulha Maria da Penha tiveram início no dia 20 de outubro de 2012, concentrando-se, inicialmente, no 19º Batalhão de Porto Alegre, sendo posteriormente descentralizada.
A atuação da Patrulha Maria da Penha é regulamentada pela Brigada Militar através da Nota de Instrução nº 2.23/EMBM/2023, apresentando, esta última a seguinte conceituação: A ação da Patrulha Maria da Penha destina-se a atender especificamente os casos que a Lei Maria da Penha considera violência contra a mulher, em razão da vulnerabilidade e hipossuficiência de gênero ocorrido em âmbito doméstico ou familiar.
A Patrulha Maria da Penha atuará a partir do deferimento da Medida Protetiva de Urgência pelo Poder Judiciário, com despacho de necessidade de acompanhamento da força policial até decisão de extinção ou término do prazo de concessão da Medida. Desta forma, o atendimento ocorre através da realização de visitas, as quais têm o objetivo de fiscalizar se as medidas protetivas de urgência estão sendo cumpridas pelo agressor/acusado, bem como verificar a situação familiar da vítima. Pode-se dizer que a atuação da Patrulha Maria da Penha da Brigada Militar ocorre no pós-delito, ao acompanhar o cumprimento da medida protetiva de urgência, e, igualmente, atua na prevenção, ao contribuir para a quebra do ciclo de violência e impedir que os atos violentos se perpetuem nas famílias e nas futuras gerações.
Atualmente, a Patrulha Maria da Penha está presente em 114 (cento e quatorze) municípios e faz parte da Rede Estadual de Enfrentamento e Atendimento Especializado às Mulheres em Situação de Violência e Promoção da Autonomia das Mulheres – Rede Lilás, criada em 2013.
Para a execução do Programa, hoje a Brigada Militar conta com mais de 2.908 (dois mil novecentos e oito) policiais militares estaduais capacitados com curso de, no mínimo, 36 horas, sendo que, destes, 250 (duzentos e cinquenta) estão em atuação, compondo 62 Patrulhas no Estado do Rio Grande do Sul.
O que a Brigada Militar vem fazendo para enfrentar a violência doméstica e familiar contra a mulher?
Nos últimos anos, a Brigada Militar incrementou as ações de prevenção primária, dando especial atenção ao Programa Patrulha Maria da Penha, com o intuito de combater os indicadores criminais em ascensão, à época, nos delitos praticados em razão de gênero, contra as mulheres.
Inserido no planejamento estratégico da Instituição, o Programa teve como desafio a implantação em todos os municípios integrantes do RS Seguro e em todas as sedes de Unidades Operacionais da Brigada Militar, ambos foram atingidos e a Brigada Militar orgulha-se em dizer que TODAS as suas Unidades Operacionais, nas 21 regiões do Estado do Rio Grande do Sul, desenvolvem o Programa Patrulha Maria da Penha. São 62 Patrulhas atendendo 114 municípios gaúchos e prestando um atendimento qualificado e acolhedor às vítimas de violência doméstica.
Igualmente a Instituição mantém o foco na qualificação do efetivo para a realização de um atendimento eficaz às mulheres em situação de violência, sendo que em 2025 tem a previsão de capacitar mais de 480 (quatrocentos e oitenta) policiais militares que atuarão em todas as regiões. O principal objetivo das capacitações é melhorar o atendimento de emergência, proporcionando encaminhamentos adequados das mulheres em situação de violência doméstica e familiar, bem como, contribuir para fiscalização das medidas protetivas de urgência expedida pelo judiciário, com despacho de necessidade de acompanhamento da força policial até decisão de extinção ou término do prazo de concessão da Medida Protetiva."
Como pedir ajuda
Brigada Militar – 190
- Se a violência estiver acontecendo, a vítima ou qualquer outra pessoa deve ligar imediatamente para o 190. O atendimento é 24 horas em todo o Estado. Também é possível contatar a patrulha pelos telefones disponíveis neste link.
Polícia Civil
- Se a violência já aconteceu, a vítima deverá ir, preferencialmente à Delegacia da Mulher, onde houver, ou a qualquer Delegacia de Polícia para fazer o boletim de ocorrência e solicitar as medidas protetivas.
- Em Porto Alegre, a Delegacia da Mulher na Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia, no bairro Azenha. Os telefones são (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências).
- As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há DPs especializadas no Estado. Confira a lista neste link.
Delegacia Online
- É possível registrar o fato pela Delegacia Online, sem ter que ir até a delegacia, o que também facilita a solicitação de medidas protetivas de urgência.
Central de Atendimento à Mulher 24 Horas – Disque 180
- Recebe denúncias ou relatos de violência contra a mulher, reclamações sobre os serviços de rede, orienta sobre direitos e acerca dos locais onde a vítima pode receber atendimento. A denúncia será investigada e a vítima receberá atendimento necessário, inclusive medidas protetivas, se for o caso. A denúncia pode ser anônima. A Central funciona diariamente, 24 horas, e pode ser acionada de qualquer lugar do Brasil.
Defensoria Pública – Disque 0800-644-5556
- Para orientação quanto aos seus direitos e deveres, a vítima poderá procurar a Defensoria Pública, na sua cidade ou, se for o caso, consultar advogado(a).
Centros de Referência de Atendimento à Mulher
- Espaços de acolhimento/atendimento psicológico e social, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência.
Ministério Público do Rio Grande do Sul
- O Ministério Público do Rio Grande do Sul atende o cidadão em qualquer uma de suas Promotorias de Justiça pelo Interior, com telefones que podem ser encontrados no site da instituição.
- Neste espaço é possível acessar o atendimento virtual, fazer denúncias e outros tantos procedimentos de atendimento à vítima. Para mais informações clique neste link.