Embora não esteja mais em coma induzido, o caldeireiro industrial Carlos Eduardo Nunes, 43 anos, não tem respondido a estímulos. A preocupação da família é que ele possa ficar em estado vegetativo.
Nunes teve uma parada cardiorrespiratória e foi hospitalizado após ser alvo de abordagem policial no dia 24 de junho, no município de Guaíba, na Região Metropolitana. Além de ser imobilizado com um golpe de estrangulamento, conhecido como gravata ou mata-leão, ele sofreu um disparo de taser — arma de eletrochoque para incapacitação temporária, usada pelas forças de segurança.
— As sequelas neurológicas são muito grandes. Pelo que os neurologistas conversaram com a gente, ele teve apenas o tronco cerebral preservado, as demais partes do cérebro não. Se tu conversares com ele, não vai te responder, não vai conversar contigo, não vai abrir o olho ou mexer um braço — afirma o filho, Weverson Eduardo Fernandes Nunes, 23 anos.
Carlos Eduardo Nunes é casado há 26 anos e, além de Weverton, é pai de uma adolescente de 14 anos. Segundo o filho, a família está muito abalada.
— Minha mãe e meu pai moram juntos desde os 17 anos de idade. É uma vida inteira. Simplesmente de uma hora para outra eu não tenho mais pai. A minha mãe chora todos os dias — relata.
Segundo a ocorrência registrada na Polícia Civil, a Brigada Militar foi acionada para atender ao roubo de um celular praticado por "indivíduo sob efeito de entorpecentes". Testemunhas relataram ainda que o homem proferia "falas desconexas", "frases incoerentes" e "desferia socos contra o aparelho". O telefone celular teria sido tomado por Nunes de um outro homem, na saída da empresa onde ambos trabalham em Guaíba. Não houve, até o momento, relatos de agressões por parte de Nunes.
A família afirma que Carlos Eduardo Nunes apresentava sinais de esquizofrenia e passava por tratamento psiquiátrico desde fevereiro de 2024. Conforme o filho, os episódios até agora haviam sido restritos ao ambiente doméstico e não envolviam agressividade.
— Ele imaginava coisas. Dizia que a minha mãe havia trocado as janelas de lugar, que havia móveis inexistentes dentro de casa, mas nunca de forma agressiva — afirma o filho.
Segundo Weverson, Nunes tomava medicamentos controlados e fazia consultas regulares com um psicólogo e médica psiquiatra.
A abordagem
Nunes foi abordado por dois soldados da Brigada Militar na rua, pouco depois de supostamente roubar um celular. Conforme o registro da Polícia Civil, ele resistiu à abordagem e apresentou "reação agressiva", sendo necessário "o uso progressivo da força". Neste momento, dois policiais à paisana se somaram à ação. Um deles, um tenente, aplicou a "gravata" em Nunes, enquanto os demais soldados tentavam algemá-lo. Todos os brigadianos são lotados no 31º Batalhão de Polícia Militar, de Guaíba.
Conforme a ocorrência, o homem manteve-se "agitado e desobediente" mesmo algemado, e por isso foi usada a arma de choque. Após o disparo, Nunes teria perdido a consciência. Os policiais o arrastaram, desacordado, para dentro de uma viatura da BM e o levaram ao Hospital Regional Nelson Cornetet, em Guaíba. A ação foi registrada em vídeos que circulam nas redes sociais.
Parada cardíaca
A reportagem teve acesso ao registro de ingresso no hospital, que ocorreu às 17h48min do dia 24 de junho. Carlos Eduardo Nunes deu entrada na instituição sob parada cardiorrespiratória e apresentando cianose — quadro em que o corpo adquire coloração azulada, indicando a ausência de oxigenação. O registro hospitalar destaca que os policiais não tentaram realizar ressuscitação cardiopulmonar. Na emergência, ele foi reanimado. O registro hospitalar indica hipótese médica para o quadro como sendo resultado de "asfixia".
Após ser estabilizado na instituição de Guaíba, Nunes foi transferido para o Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Segundo a família, foi mantido inicialmente sob coma induzido em estado crítico e com ventilação mecânica. Desde a última terça-feira (1º), a medicação foi retirada, porém Nunes não apresentou reação a estímulos, como relatado pelo filho.
Procurado, o Hospital Moinhos de Vento informa que, em razão da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) não pode passar informação de pacientes.
Na Polícia Civil, o caso está sob responsabilidade da delegacia de Guaíba. Segundo a titular, delegada Karoline Calegari, a investigação aguarda aguarda a realização de perícia para dizer o que causou o atual estado de saúde da vítima. Se isso decorreu do uso de drogas, overdose ou decorreu do golpe mata-leão que ele sofreu por parte de um policial militar.
O que diz a Brigada Militar
Em entrevista nesta quarta-feira (9) à Rádio Gaúcha, o corregedor-geral da Brigada Militar comentou a ação. Segundo coronel Vladimir Luís Silva da Rosa, a investigação aguarda a conclusão de perícia para avançar nas eventuais responsabilizações.
— A ação, da forma como estamos em vídeos, foi uma atuação dentro de uma técnica policial. A questão é o resultado, que obviamente não foi o esperado. Um dos pontos muito importantes é a perícia, que vai determinar o que deu causa a essa situação, do cidadão ficar em coma. Se foi em decorrência da imobilização ou foi em razão da utilização da arma elétrica ou uso de alguma substância que pudesse causar algum distúrbio — afirma o coronel Vladimir Luís Silva da Rosa.