Na manhã desta quarta-feira (9), pouco antes das 10 horas, um carro preto parou em frente à Escola Municipal Maria Nascimento Giacomazzi, em Estação, no norte do Estado. Do veículo, desembarcou uma menina loirinha com um vaso de flores amarelas na mão. Andou ligeira até o portão de grades — onde dois laços pretos simbolizam o luto da comunidade — e depositou o vasinho na calçada. Em silêncio, na rua vazia, retornou para dentro do carro, que partiu.
Por volta do mesmo horário, na manhã de terça-feira (8), um adolescente de 16 anos ingressou pelo mesmo portão. O jovem chegou ao local numa bicicleta, tocou o interfone e pediu para entregar um currículo dentro da escola. Foi atendido pela equipe e entrou. No interior do prédio, disse que queria usar o banheiro. De dentro de uma mochila, retirou uma espécie de facão e deu ao início ao ataque que resultaria na morte de um menino de nove anos e deixaria outras duas garotas de oito anos feridas.
Durante a investida violenta, o adolescente entrou inicialmente numa sala de aula do 5º ano do Ensino Fundamental, mas foi expulso. Então seguiu na direção da sala do 3º ano, onde atacou as outras três crianças com maior gravidade. O menino Vitor André Kungel Gambizari estava no fundo da sala – ele não resistiu ao ataque. Uma professora, de 34 anos, tentou salvar as crianças, e conter o agressor. Ela foi atacada com cortes no tórax. A profissional e uma das meninas seguem hospitalizadas em Erechim.
Segundo familiares, outras crianças teriam sido feridas durante o ataque, com menor gravidade.
Antes do ataque, o monitor Luís Carlos dos Santos, 56 anos, o tio Pelé, como é conhecido na comunidade, havia chegado à escola, como costuma fazer diariamente há quatro anos. Abriu o portão e aguardou a chegada dos professores e recebeu os alunos na entrada.
— Me apeguei muito nessas crianças. A gente tem esse convívio, o carinho, com os professores, os pais. A cidade parou. Esse silêncio que está aqui não é normal. O município está impactado com o que aconteceu. Nunca aconteceu uma situação dessas. O povo está com muita tristeza. Todo mundo se conhece. A gente não tem palavras quase para dizer. Só Deus para confortar a família que perdeu esse guri e as famílias que têm as crianças que estudam aqui no colégio — desabafou nesta manhã em frente à escola.
Jamais alguém pensou que esse menino ia fazer uma coisa dessas.
LUÍS CARLOS DOS SANTOS
Monitor da escola
Quando viu que o adolescente portava uma faca, Santos gritou para que as crianças corressem. Foi o que elas fizeram. Dispararam em direção ao portão e avançaram pela rua, gritando e chorando. Em frente à escola, dona Ercinda Dala Corte, 76 anos, havia acabado de estender roupas no varal. Ouviu a correria e pensou que as crianças participavam de alguma atividade.
— Então ouvi o choro delas e entendi que não era. Elas estavam em pânico — recordou na manhã de hoje, na cozinha de casa, ao lado do marido Antonio Dala Corte, 86 anos.
Em toda a minha vida, nunca vi tantas lágrimas como vi nos olhos dessas crianças.
ERCINDA DALA CORTE
Afetuosa, Ercinda, que é mãe de quatro filhos, e se diz medrosa por desmaiar ao ver sangue, não hesitou. Avançou na direção do portão, e gritou para que os pequenos entrassem. As crianças correram para dentro do pátio acompanhadas de uma professora. Foi quando a aposentada soube que um guri estava atacando a escola com um facão.
— Trouxe eles para dentro e fiquei ali. Quem é que não vai ajudar crianças? Não ia fechar o portão e deixar eles para fora. Nunca vi tanta gente e tanta polícia. Eu disse “meu Deus, o que é isso?”. Muito triste. Gente correndo, os pais chorando. Eles choravam e se agarravam em mim. Eles choravam “quero meu pai, quero minha mãe”— narrou.
Por mais de uma hora, dona Ercinda recebeu pais de alunos, que vinham buscar os filhos. No início da noite, um deles retornou acompanhado de um dos meninos que se abrigou no pátio e uma flor, em agradecimento pelo gesto.
É muito triste, pobre do menino que morreu. Da família dele. Eu com 76 anos nunca vi isso. O guri que fez isso, eu tenho pena dos pais dele também. É muito triste. O pai não cria filho para isso.
A polícia ainda apura o que motivou o ataque e acredita, até o momento, que ele tenha agido sozinho. Segundo a investigação, o adolescente passava por tratamento psiquiátrico.
Após o ataque, o município suspendeu as aulas em toda a rede municipal de ensino. Uma das possibilidades analisadas era a de antecipar as férias de inverno. No entanto, após se reunir com profissionais da educação e psicologia, o prefeito Geverson Zimmermann afirmou nesta quarta-feira que as aulas devem ser retomadas em breve.
— Queremos retomar o quanto antes. Talvez amanhã (quinta-feira) a gente já retome em alguma escola. E aqui vamos iniciar um trabalho para fazer os pais e as crianças voltarem a ter segurança de estarem aqui. Isso nunca aconteceu aqui. É uma cidade muito tranquila, muito segura. É uma mistura de surpresa com total incredulidade.
A gente perdeu o chão. Vai levar muito tempo para a gente curar essa ferida. Vai ficar uma cicatriz aberta na nossa equipe escolar.
GEVERSON ZIMMERMANN
PREFEITO DE ESTAÇÃO
Como forma de dar suporte psicológico, a prefeitura disponibilizou um espaço na Casa da Cultura. Somente na terça-feira, foram realizados 15 atendimentos. Durante a manhã, a prefeitura realizou novo encontro com a comunidade escolar. À tarde, o prefeito pretende se reunir com a Polícia Civil e Ministério Público para acompanhar as investigações.
— A gente não sabe a motivação, não entende como isso aconteceu. E faz uma tragédia dessas. Isso tudo nos deixou perplexos.
No fim da manhã, a equipe retornou à escola, onde permaneceu por alguns minutos. Os laços amarrados ao portão foram desfeitos. Durante o ataque, enquanto fugiam, muitos estudantes deixaram todo material escolar para trás. Os professores recolheram algumas mochilas, e deixaram o colégio, em silêncio, logo depois. O vaso de flores permaneceu em frente ao portão.
Mín. 14° Máx. 23°