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Idoso enganado por telemarketing precisa da ajuda de filho e amigos para se sustentar - RD Foco

INSS estima que 4 milhões de aposentados e pensionistas foram prejudicados com o esquema, que pode ter movimentado mais de R$ 6 bilhões em dois anos.

09/06/2025 às 14h03
Por: Depto de Jornalismo Fonte: GZH/Giovani Grizotti
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Piragibe Jesus de Abreu, 79 anos, é uma das vítimas de fraude por empresa de telemarketing. Foto: Reprodução / RBS TV
Piragibe Jesus de Abreu, 79 anos, é uma das vítimas de fraude por empresa de telemarketing. Foto: Reprodução / RBS TV

Um idoso de 79 anos foi vítima de um esquema em que empresas usam serviços de telemarketing para enganar idosos e fazê-los aceitar descontos indevidos nas suas aposentadorias em troca da suposta prestação de serviços.

O aposentado Piragibe Jesus de Abreu, morador de Santo Ângelo, nas Missões, precisa da ajuda do filho e de amigos para sobreviver. Ele relata não ter dinheiro suficiente por conta das deduções em folha.

A aposentadoria dele soma cerca de R$ 1,7 mil mensais. O dinheiro é pouco, então, para complementar a renda, ele faz bicos tocando sanfona. Só que no mês passado, o dinheiro não deu para pagar as contas: recebeu cerca de R$ 700. O motivo? Teve descontos no seu sustento que não reconhece e não autorizou.

— Cada vez que eu ia na folha de pagamento, o meu salário estava diminuindo mais. Mas olha, eu estou... Sabe que eu tenho bastante amigo, né? E... Meu filho também me ajuda. Não é fácil, né? — conta, emocionado.

Um dos descontos tem valor de R$ 79 em nome do Sindicato Nacional dos Aposentados do Brasil (Sinab). Conforme a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) do Rio Grande do Sul, Piragibe foi enganado e induzido a concordar com a adesão ao serviço.

O Procon solicitou ao sindicato provas da suposta filiação do aposentado, recebeu uma gravação como prova, mas ela estaria incompleta. Nela, o idoso diz "sim" após a fala do assistente de telemarketing que diz: "Autorizo o Sinab a realizar, perante ao INSS, o desconto da mensalidade de associado correspondente a 3% do valor do meu benefício previdenciário". Parecia estar tudo bem, mas não estava.

— Em muitas gravações, o consumidor está dizendo um "sim", "entendi" para a conversa num todo, não no contrato em si. Quando ocorre uma contratação lícita, eles encaminham a gravação completa, eles encaminham a documentação. Quando é ilícita, é fraudulenta, as empresas não mandam esses documentos — diz Valter Portalete, coordenador do Procon de Santo Ângelo.

Por nota, o Sinab informou que os termos de filiação são apresentados de forma clara e detalhada aos interessados. Além disso, "reafirma seu compromisso com a ética, a transparência e com a defesa dos direitos e interesses dos aposentados e pensionistas".

Uma moradora de Garibaldi, na Serra, também foi vítima do esquema. No caso dela, conforme o Procon, ela precisou fazer um empréstimo, mas, simultaneamente e sem saber, aprovou a associação a um serviço que não desejava.

— Eu tenho na minha mesa aqui, ali e aqui, vários processos assim, que o consumidor veio primeiramente abrir reclamação de um empréstimo consignado e meses após veio abrir de associação — conta Luciana Lima Saleh, coordenadora executiva do Procon de Garibaldi.

Entre 2023 e 2024, mais de 500 mil reclamações já chegaram ao Ministério da Justiça. A estimativa do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é que 4 milhões de aposentados e pensionistas foram prejudicados com o esquema que pode ter movimentado mais de R$ 6 bilhões com os descontos ilegais.

Ex-funcionárias de telemarketing explicam esquema

Uma ex-funcionária de telemarketing que prefere não se identificar conversou com a reportagem e revelou que os atendentes usam uma série de técnicas para convencer aposentados a contratar qualquer tipo de serviço.

— Era um script pronto. O que a gente faz é entrar na linha e falar, falar, falar. Então, eles (os aposentados) dando "sim" ali na ligação, a gente já consegue colocar ali o seguro ou o plano de saúde, que daí é descontado direto na folha do INSS. Ele não precisa fazer reconhecimento facial, nada — conta.

As ligações costumam ser rápidas e confusas.

— A gente tem de falar o máximo possível. Não deixar o cliente pensar. E, aí, eles vão entrando ali na tua conversa — relata.

Outra atendente, que também não quer se identificar, trabalhou em call center por três anos. Ela afirma que já presenciou a falsificação de conversas telefônicas.

— Acontecia que, quando alguma autoridade precisava de alguma comprovação, um colega ou alguém fingia ser o idoso, fazia a voz do idoso e nós conseguíamos o ok — afirma.

Nas negociações feitas pelo telefone, muitos atendentes viram especialistas em confundir.

— Ele (o aposentado) achava que ele tava reduzindo os juros que ele pagava, mas o que ele estava fazendo era um empréstimo novo. Então, ele ia ter mais um desconto. Eu já peguei clientes que tinham tido um AVC por conta do desconto a mais que ele estava tendo — conta.

Quem são os "alvos preferidos"

Conforme o Procon, os alvos do esquema são geralmente idosos e pessoas com baixa instrução formal.

— São áudios assim, cansativos, não esclarecedores e sempre na rapidez e que o idoso tem dificuldade, muitos têm problema até de cognição e de audição — diz Márcia Regina Moro da Rocha, presidente da Associação Nacional de Procons.

Os direitos de quem foi enganado

Conforme o Procon, quem foi enganado tem direito à restituição em dobro de todos os valores que foram debitados indevidamente.

Para confirmar se está tendo descontos indevidos, o Procon orienta os segurados a observarem o extrato da aposentadoria. Caso identifique algo que não reconhece, é necessário procurar o Procon ou a Justiça.

Meio milhão de reclamações

Segundo dados da Secretaria Nacional do Consumidor, ligada ao Ministério da Justiça, quase 500 mil reclamações por descontos indevidos foram feitas entre 2023 e 2024.

  • 2023: 174.506 reclamações
  • 2024: 294.180 reclamações

Em abril deste ano, a Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) realizaram uma operação contra o esquema de descontos associativos não autorizados em pensões e aposentadorias.

Nota do Sinab

O Sindicato Nacional dos Aposentados do Brasil (SINAB), em resposta a solicitação de esclarecimentos e buscando sempre a máxima transparência com seus associados e a sociedade, vem a público esclarecer os pontos levantados.

Inicialmente, refutamos veementemente qualquer alegação de prática de "venda casada" em nossas operações.

A filiação ao SINAB é um ato voluntário e independente, focado exclusivamente na oferta de um pacote abrangente de benefícios e assistências. Nossas atividades principais incluem assistência à saúde com acesso a consultas e exames, assistência funeral, assistência residencial, entre outros serviços voltados ao bem-estar dos aposentados. O SINAB não possui qualquer relação com a oferta, intermediação ou comercialização de empréstimos consignados ou qualquer outro produto financeiro. A associação ao sindicato não está, sob nenhuma hipótese, condicionada à contratação de empréstimos.

Compreendemos a preocupação dos órgãos de defesa do consumidor, como os Procons, em proteger os direitos dos aposentados, especialmente os mais vulneráveis. No entanto, reiteramos que a interpretação de que nossas filiações configuram venda casada ou são realizadas de forma pouco transparente não corresponde à realidade operacional do SINAB. Nossos processos são desenhados para garantir clareza e consentimento informado.

Os termos de filiação são apresentados de forma clara e detalhada aos interessados, explicando todos os benefícios, direitos, deveres e custos envolvidos. A formalização da adesão ocorre mediante assinatura de contrato específico, que inclui todas as autorizações necessárias. Para garantir a segurança e a legitimidade do processo, utilizamos mecanismos robustos de validação, incluindo a coleta de documentos comprobatórios e a utilização de biometria facial, realizada em termos apartados, assegurando que o aposentado tenha plena ciência e concorde expressamente com a associação e seus termos.

Quanto à investigação conduzida pela Polícia Federal, o SINAB informa que está à total disposição das autoridades e colabora irrestritamente para a elucidação de quaisquer fatos. É fundamental esclarecer que o SINAB não figura na lista de entidades investigadas no âmbito desta operação. É de interesse do sindicato que as investigações prossigam com rigor e profundidade, apurando todas as eventuais irregularidades cometidas por quaisquer agentes no mercado e, ao final, atestem a completa licitude e regularidade das operações conduzidas pelo SINAB.

O SINAB reafirma seu compromisso com a ética, a transparência e, principalmente, com a defesa dos direitos e interesses dos aposentados e pensionistas do Brasil, oferecendo benefícios e assistências que agregam valor e segurança à vida de seus associados.

Permanecemos à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais.

*GZH/Giovani Grizotti

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