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80 anos após fim da Segunda Guerra Mundial, pracinhas gaúchos relembram campanha na Europa: “Sentimento de missão cumprida”

08/05/2025 às 08h38
Por: Depto de Jornalismo . Fonte: Gaúcha ZH
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 Capitão Elmo Diniz, 104 anos, participou da campanha da FEB na Itália. Foto: Duda Fortes / Agencia RBS
Capitão Elmo Diniz, 104 anos, participou da campanha da FEB na Itália. Foto: Duda Fortes / Agencia RBS

Há exatos 80 anos, terminava um dos mais sangrentos e devastadores conflitos da história humana. Em 8 de maio de 1945 o exército alemão apresentava sua rendição oficial, dando fim à Segunda Guerra Mundial. Após declarar guerra às potências do eixo em 1942, o Brasil aprofundou sua participação no conflito a partir de 1944, ao enviar pouco mais de 25 mil militares para lutar ao lado das forças aliadas na Europa. Oito décadas depois, as lembranças daqueles dias seguem vivas na memória de pracinhas gaúchos que viveram aquela campanha histórica.

Conforme censo realizado pelo Exército Brasileiro em março, 43 veteranos das tropas que estiveram na Europa seguem vivos. Destes, quatro são gaúchos e moram no Estado. Elmo Diniz, 104 anos, e Oudinot Willadino, 100, residem em Porto Alegre. José Negri, 102, vive em Camargo, na Região Norte, e João da Silva Augustinho, 102, mora em São Leopoldo, no Vale do Sinos.

A reportagem de Zero Hora visitou os pracinhas que moram na Capital, ambos lúcidos e bem de saúde. O capitão Elmo Diniz, natural de Cruz Alta, mora com a esposa Eunice, 76, em um apartamento próximo ao Parque da Redenção. O casal montou na casa o Espaço Cultural Capitão Elmo Diniz, onde o militar exibe fotos da campanha na Itália, medalhas, itens utilizados na guerra, como o uniforme e cantis, e homenagens que recebeu após voltar ao Brasil.

Até os 18 anos, Elmo era tropeiro junto do pai. Em 1939, ingressou no Exército. Cinco anos depois, já em Porto Alegre, foi convocado para a missão na Itália da recém-criada Força Expedicionária Brasileira (FEB).

Na Europa, Elmo era encarregado de levar fardamento e outros itens para os soldados no front, sem participar diretamente dos combates. De volta ao Brasil, seguiu no Exército até 1962, quando foi reformado na patente de capitão.

Duda Fortes / Agencia RBS

Capitão Elmo Diniz segue com muitas memórias da campanha na Europa.Foto: Duda Fortes / Agencia RBS

— Na guerra, a gente acorda em um lugar sem saber onde vai dormir. O frio que passamos naquele inverno, nas nossas barracas, eu nunca esqueci. De vez em quando a gente ganhava um maço de cigarros para ajudar a espantar o frio, mas eu distribuía para os colegas, porque nunca fumei. Acho que isso me ajudou a chegar vivo até hoje — afirma o capitão Elmo, que completou 104 anos em fevereiro.

Oudinot Willadino participou ativamente de algumas das mais importantes batalhas que a FEB travou na Europa. Natural de Santa Maria, morava em Caxias do Sul quando se alistou como voluntário no Exército. Na Itália, foi soldado atirador de um dos pelotões de fuzileiros das tropas brasileiras.

Duda Fortes / Agencia RBS

Oudinot Willadino participou de batalhas como as conquistas de Monte Castello e Montese. Foto: Duda Fortes / Agencia RBS

Willadino não seguiu a carreira militar, sendo dispensado do Exército logo na chegada ao Brasil. Depois da guerra, passou um breve período em Caxias antes de se mudar para Porto Alegre, onde trabalhou na rede de lojas Mesbla e graduou-se em direito. No seu apartamento, no bairro Independência, também exibe, nas paredes da sala, fotos da campanha na Europa e as homenagens que recebeu nos últimos anos.

— Eu era jovem, solteiro, pra mim foi uma grande aventura. Nas batalhas, os alemães fugiam da gente. Foi um período difícil, mas o sentimento é de missão cumprida, de ter lutado pela liberdade de povos que sofriam com regimes terríveis — destaca Willadino.

Formação da FEB

Após permanecer neutro durante os primeiros anos da guerra, o governo brasileiro, liderado à época por Getúlio Vargas, ingressou oficialmente no conflito em agosto de 1942, em razão de uma sequência de ataques de submarinos alemães a navios brasileiros na costa do país. Em 1943, a portaria ministerial nº 4.744 estabeleceu a criação da Força Expedicionária Brasileira (FEB), com o objetivo de enviar tropas brasileiras para combater na Europa.

Em julho do ano seguinte teve início o deslocamento. Segundo informações do Exército brasileiro, o país enviou 25.334 militares ao continente europeu, divididos em cinco escalões e cinco viagens de navio, entre os portos do Rio de Janeiro e de Nápoles, na Itália. Deste contingente, 1.880 saíram do Rio Grande do Sul. O comandante geral das operações na Itália foi um gaúcho, o general Mascarenhas de Moraes, nascido em São Gabriel.

— Foi um grande esforço do Exército brasileiro, uma ação sem precedentes, que superou inclusive a Guerra do Paraguai. Os pracinhas brasileiros tiveram um treinamento rápido feito pelos norte-americanos e já seguiram pra guerra. Diante disso, os resultados obtidos lá foram excelentes — reforça o historiador Luiz Ernani Caminha, autor do livro O dia a dia da FEB na 2ª Guerra Mundial.

Na época, muitos duvidavam da capacidade brasileira de enviar tropas para combater na guerra, tanto que se fazia uma brincadeira, dizendo que os brasileiros só participariam de fato do combate se "a cobra fumasse". Por isso, quando a participação militar do país foi efetivamente confirmada, a figura de uma cobra fumando um cachimbo se tornou o símbolo oficial da FEB.

Monte Castello

As tropas brasileiras ficaram completas no continente europeu em novembro de 1944. Contudo, os soldados que lá já estavam foram ao front pela primeira vez em setembro, substituindo norte-americanos em uma batalha pela conquista da cidade de Massarosa, na Toscana.

A principal missão da FEB na Itália era expulsar tropas alemãs de posições na região norte dos montes apeninos, para favorecer a movimentação das forças aliadas entre o sul e o norte do território italiano. Para cumprir essa missão, os pracinhas travaram seu principal confronto na Europa, entre o final de novembro de 1944 e fevereiro de 1945: a batalha de Monte Castello.

Monte Castello é uma região elevada em local estratégico, situada cerca de 70 quilômetros a sudoeste de Bolonha e 90 quilômetros a noroeste de Florença. Em 1944, a posição era ocupada por nazistas.

Antes da vitória definitiva, os brasileiros fizeram quatro tentativas de conquistar a região, mas a resistência alemã, o terreno montanhoso e as baixas temperaturas do inverno italiano, que chegavam a 20°C negativos, dificultaram as ações.

— O frio e o terreno cheio de pedras, que ficavam escorregadias com a neve, dificultaram muito essa ação. Foi a batalha mais difícil de toda a campanha, demorou meses até que conseguimos vencer a barreira alemã — recorda Oudinot Willadino.

Duda Fortes / Agencia RBS

Willadino segura uma fotografia sua enquanto estava na Itália. Foto: Duda Fortes / Agencia RBS

Depois de cerca de três meses de batalha, a tomada de Monte Castello ocorreu em 21 de fevereiro. A ação decisiva foi realizada pelas tropas lideradas no front pelo general gaúcho Oswaldo Cordeiro de Farias, que fora governante do Rio Grande do Sul entre 1938 e 1943.

— No dia seguinte à tomada de Monte Castello eu estive lá. A cena era de destruição, um ambiente muito desagradável. Essas imagens a gente não esquece mais — lembra o capitão Elmo.

Fim da campanha e retorno ao Brasil

A partir de abril de 1945, já com a chegada da primavera, teve início a fase final da ofensiva das tropas brasileiras na Itália. Entre os dias 14 e 17 daquele mês, os pracinhas da FEB expulsaram os alemães da cidade de Montese, onde até hoje, anualmente, os militares brasileiros são celebrados pela população local com a "Festa della Liberazione".

— A população italiana sempre foi muito grata a nós. Quando estávamos lá, dividíamos nossa comida com os italianos que estavam passando fome — recorda o capitão Elmo. "Depois do fim da guerra, eles (civis italianos) deram pra nós os vinhos que eles enterraram para esconder dos alemães. Foi o melhor vinho que tomei na minha vida", completa o capitão.

As últimas batalhas da FEB em território italiano ocorreram no final de abril, em Collecchio e Fornovo di Taro, quando os pracinhas venceram divisões dos exércitos alemães e italianos. Milhares de militares das forças adversárias foram feitos prisioneiros pelos brasileiros na ocasião.

Mesmo após a rendição definitiva dos alemães em 8 de maio, data que ficou conhecida como Dia da Vitória para as forças aliadas, as tropas brasileiras permaneceram por mais alguns meses na Itália para auxiliar no processo de estabilização do país. A partir de julho de 1945, os pracinhas começaram a retornar ao Brasil, onde foram recebidos com grande festa ao desembarcarem no Rio de Janeiro. 

— Foi uma festa como eu nunca tinha visto quando a gente chegou de volta. As pessoas foram arrancando nossos capacetes, nossos distintivos, pra levar como suvenir — lembra Willadino.

O número de mortes dos brasileiros na Europa é considerado baixo, com cerca de 460 perdas entre os pouco mais de 25 mil pracinhas enviados. Entre os mortos, cerca de 20 eram das tropas que saíram do Rio Grande do Sul.

— Ficou um legado de militares que lutaram por um mundo livre e democrático, de superação e resiliência, pois saíram de um país tropical e foram treinados às pressas para lutar em outro continente, com outras características climáticas e culturais, e ainda enfrentaram um inimigo experiente. Assim mesmo voltaram vencedores, orgulhosos dos seus feitos, reconhecidos por seus aliados com inúmeras condecorações e elogios — observa Ricardo Nácul, vice-presidente da regional gaúcha da Associação Nacional dos Veteranos da FEB.

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