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Dois trabalhadores são resgatados em condições análogas à escravidão em Novo Hamburgo

05/08/2024 às 16h06
Por: Depto de Jornalismo . Fonte: Gaúcha ZH
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Trabalhadores estavam em alojamento precário. Foto: RBS TV / Reprodução
Trabalhadores estavam em alojamento precário. Foto: RBS TV / Reprodução

Dois trabalhadores foram resgatados em condição análoga à escravidão doméstica em Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, por uma força-tarefa coordenada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Segundo a inspeção, os trabalhadores estavam em um alojamento precário, sem portas, banheiro ou iluminação elétrica e receberam promessas não cumpridas de salário.

O resgate envolveu uma operação que contou também com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Polícia Civil, no último dia 16 de julho. A ação vinha sendo mantida em sigilo enquanto os trabalhadores eram mantidos em um abrigo. Na última sexta-feira (2), eles voltaram para suas casas.

— Constatamos trabalho análogo ao de escravo nas modalidades de trabalhos forçados, condições degradantes e retenção no local do trabalho em razão de apoderamento de documento pessoal — afirmou a auditora-fiscal do trabalho e coordenadora da fiscalização para combate ao trabalho escravo no RS, Lucilene Pacin.

Os trabalhadores teriam sido contratados por um homem, vizinho do local, sob a alegação de que fariam a vigilância de terreno. No entanto, supostamente faziam também serviços domésticos, como limpeza, manutenção, cuidados com animais e compras no mercado para o homem.

"Eu confiei", diz trabalhador

A reportagem conversou com os dois trabalhadores. Um deles é Manoel Rodrigues de Aquino Filho, 54 anos, do Piauí. Nos últimos seis anos de vida, morou e trabalhou no local com a esperança de um dia voltar para sua terra natal. Segundo ele, a promessa do empregador era de receber cerca de R$ 200 por semana:

—Me prometeu, mas nunca deu. Ele só dizia: "Quando tu for embora, eu vou te dar um dinheiro bom". E aí eu confiei, eu confiei.

Manoel é analfabeto e veio para o Rio Grande do Sul em busca de emprego como carpinteiro ou pedreiro, mas não conseguiu outra oportunidade.

— No terreno dele, eu tinha de limpar, limpar as coisas dos passarinhos, lavar as coisas dos cachorros, cuidar de gato, limpar a caixa de esgoto, final de ano eu lavava as paredes, aquele lodo, calha... O alarme tinha de subir quando disparava, um lugar cheio de folha e galho. Supermercado quase todo dia, vinho, coisa para os animais. Ele soltava os gatos para eu cuidar e ficava até 10h, 11h da noite. Depois que eu ia tomar meu café, não tinha luz nem nada — afirmou.

O outro homem resgatado junto a Manoel prefere não se identificar. Motorista de aplicativo, ele conta que ficou cerca de um mês no local após o carro estragar no meio da enchente. A ideia era juntar dinheiro para consertar o veículo. Ele alega que nunca recebeu o valor prometido.

— Não tinha alimentação, não tinha água, não tinha luz, eu acho que nem o escravo antigo passava por essa situação — afirmou o homem.

Empregador diz que investigação é "absurda"

O homem apontado pelo MTE como empregador é Arno Dilson Pospichil, 75 anos. Ele se apresenta como prestador de serviço para regularização de imóveis em Novo Hamburgo.

A reportagem esteve no endereço onde ele mora, ao lado do terreno, na área central da cidade. Ele admitiu que Manoel fazia serviços de limpeza, vigilância do terreno e até compras no mercado, mas negou que ele era seu empregado.

— Não existiu nenhuma promessa dessa natureza. Eu colocava para ele valores intermitentes, não era uma coisa fixa. Eu fornecia um botijão de gás, hora eu dava R$ 50, hora eu dava R$ 100, mas nem era contínuo — declarou.

Sobre o outro homem resgatado, Arno disse que "nem o conhecia" e que a investigação "é um absurdo".

Ele também admitiu que o terreno onde Manoel e o outro homem ficavam tinha seu interesse porque "herdeiros", que não são familiares, haviam abandonado o terreno e tinha o plano de "construir torres" para vender.

Ministério Público do Trabalho busca verbas rescisórias

Após a inspeção feita pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o Ministério Público do Trabalho (MPT) abriu inquérito civil para buscar reparação aos trabalhadores, que já tiveram o seguro desemprego de três meses liberado por ato da Gerência Regional do Trabalho.

Segundo a procuradora Mônica Delgado Pasetto, a primeira audiência sobre o caso já aconteceu com o depoimento dos trabalhadores para que eles pudessem seguir para seus lares.

— Depois disso, o Ministério Público do Trabalho apresentou o cálculo das verbas rescisórias. Não tendo o empregador interesse em resolver essa situação na via administrativa, o MPT vai promover a ação civil pública competente para o recebimento desses valores e indenização por dano moral e coletivo — informou.

A procuradora ainda disse que a situação exemplifica casos comuns, em que o trabalhador possui alta vulnerabilidade.

— Normalmente, essa situação é uma exploração disfarçada de caridade. O trabalho escravo é um instrumento de diminuição de riscos para o contratante, então o contratante quando faz isso quer diminuir competitividade, aumentar o ganho ou não ter prejuízo com a situação, que é justamente o caso. Ele não queria ter o gasto por cuidar daquele local — afirmou.

Retorno de trabalhadores

Os trabalhadores resgataram passaram cerca de 10 dias em um abrigo municipal de Novo Hamburgo, enquanto acontecia na Justiça do Trabalho a primeira audiência sobre o caso. O trabalhador que não quis se identificar já retornou para sua cidade, no litoral gaúcho.

O MTE providenciou passagem de ônibus, paga com verba da fiscalização do trabalho, para Manoel voltar ao Nordeste com a sua família. Na última sexta-feira (2), ele pegou seu ônibus na rodoviária de Novo Hamburgo, mesmo local que usou como banheiro, contando com a boa vontade de funcionários, por mais de seis anos.

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